quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Os intocáveis

Estão a ver aquelas crianças irritantes, mal-educadas, mimadas, com uma birra atrás da outra, super mimados e ainda por cima, feios? E estão a ver os pais dessas mesmas criaturas excomungadas de normalidade? (aposto que muitos de vocês até ficaram mais tensos de repente, vejam lá o estado do vosso pescoço e ombros). Toda a gente conhece exemplos por isso não é preciso entrar em detalhes.

A mim o que me chateia mesmo, mas mesmo, assim ao ponto de a ideia do Eládio Clímaco ler textos com cenas de sexo lésbico quase não resultar, são aqueles pais que não permitem que se diga o que quer que seja sobre a criancinha. Os mesmos pais que vão ao psiquiatra, os mesmos pais que enchem os ouvidos dos amigos com queixas, os mesmos pais que gritam em plena rua:

- Olha que eu bato-te!

Estão a ver o género? É que eles podem queixar-se, tomar medicamentos até mas ai de nós se nos ouvem a comentar que realmente o Guilherme e a Joaninha são crianças difíceis. Mas se esses pais são realmente insuportáveis, os completamente detestáveis, os que me dão vontade de esbofetear são os que - aconteça o que acontecer - acham sempre que as suas criancinhas são perfeitas, adoráveis e uns perfeitos amores. Esses pais, sinceramente, só à estalada.

E por que razão menciono isto aqui? Pura frustração depois de um dia de compras? Discussão com um desses pais? Estar rodeada de pessoas com filhos no trabalho? Hmmm? Bem, todas as razões mencionadas e mais algumas, como por exemplo, o facto de me incomodar seriamente não me ouvirem ou pegarem no que eu disse e interpretarem à la mode. (Sim, sou assim tão egocêntrica.) Portanto, faço o meu primeiro voto deste ano publicamente: manter-me a milhas desta gente. O plano racional será algo como atravessar para o outro lado da rua quando for necessário, bloquear pais queixinhas do msn, ter sempre os auscultadores comigo (é perfeito para se fingir que não ouvimos o nosso nome) etc

O plano menos racional será utilizado apenas se todo o resto for por água abaixo; implica palavrões, virar uma mesa e esfregar um prato de arroz cabidela no cabelo do/a pai/mãe em questão. E neste momento visualizo uma cena à la cães danados: a câmara aproxima-se de um restaurante repleto de famílias, de casais aparentemente felizes, com criancinhas, chamemos-lhes robustas, e sorridentes. O criado anuncia que já não há bife com batatas fritas e que apenas há uma coca-cola e duas pepsis. Começam as birras. Os pais começam a ficar nervosos, como nos filmes de cowboys quando o bom sente um arrepio na nuca. Em menos de dois segundos, antes que alguém possa dizer:

- É pá! Pôr o Eládio Clímaco a ler cenas eróticas é do caraças!

Entram os Reservoir dogs. Com caçadeiras e aquelas armas grandes que fazem imenso barulho e buracos grandes. Começam a disparar. Há muito sangue. É muito gore. É muito mau. Matam pessoas à queima-roupa. Há pedaços de algo não identificado nas paredes. Há mais sangue. Enquanto disparam os Reservoir dogs sorriem. Eu sorrio. O fim.

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domingo, fevereiro 24, 2008

Meditação sem fronteiras

Descobri por acaso no meu computador dois ficheiros "real player", como os títulos: "espelhos do tempo" e "relaxamento profundo" não me diziam nada decidi ouvir um bocadinho. Após os segundos iniciais de música colocada com o propósito de relaxar o ouvinte mas cujo efeito em mim é mais transcendente - apetece-me fazer xixi - comecei a ouvir a voz do Eládio Clímaco a dizer-me para respirar fundo. Quem não reconhece o nome tem apenas de pensar nos Jogos sem fronteiras (JSF), esse programa kitch transmitido pela RTP1 (foram tantos, não é verdade?).

Antes de desenvolver o tópico do post quero só dedicar um minuto ao apresentador com um nome maluco. Aliás, não ao Eládio Clímaco o apresentador mas à sua voz. Quantos de nós não crescemos ao som daquela voz sagrada e cristalina? E a dicção, hein? Se há alguém que possa dizer a famosa frase fascista "o rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia" esse alguém é o Eládio Clímaco (aqui com as cores dos JSF). Não sei quanta informação sobre a vida animal me foi transmitida através da voz lúcida e calma de Eládio Clímaco (por acaso sabem se ele ainda faz a locução de documentários?). A sua voz assim como a de Canto e Castro (que podem ouvir aqui aos 40 segundos) fazem parte da minha infância embora de formas diferentes.

No mundo anglosaxónico há a tradição de passar livros para formato áudio. Podemos comprar os cds (duvido que ainda se faça em formato K7) do Crime e castigo do Dostoevsky, do Audacity of Hope do Barack Obama e de muitos outros. Se algum dia decidirem fazer o mesmo em Portugal sugiro a voz de Eládio Clímaco para os romances da Sarah Waters, famosa pelas suas cenas de sexo entre duas mulheres. É colocar o prazer e a informação ao mesmo nível, por um lado temos as imagens vivas da escrita da Sarah Waters e por outro a voz calma, pausada e curiosa de Eládio Clímaco. Façam um esforço por se lembrarem da voz do senhor e juntem a frases como: "os seus lábios tocaram os dela ao de leve por um breve instante, para depois sentirem uma fome até então desconhecida. A sua língua encontrou a dela..."

Acho que poderia ouvir o Eládio Clímaco ler A Aparição de Vergílio Ferreira sem ter imagens do Bexiguinha com um fato de esferovite vermelho a correr atrás da Sofia, também de fato de esferovite e de chapéuzinho ridículo, através de um campo de escorregas, tobogans, com o Alberto a tentar impedi-lo de a apanhar usando um canhão de água. Confesso que essa seria a minha primeira imagem mas mal o primeiro parágrafo acabasse estaria completamente compenetrada como quando descobri que as gazelas da América do Sul atraíam dois tipos diferentes de mosquitos.

Meditar, ou tentar meditar, com imagens dos jogos sem fronteiras tem resultados mistos; por um lado deixei de parar de pensar no dia horrível no escritório, por outro lado, e custa-me admiti-lo, dei por mim a gritar: "força, Estarreja!"

P.S. Dizem que haverá uma edição dos JSF em 2008.

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