domingo, abril 20, 2008

As pequenas desilusões americanas

A maior parte das pessoas adora odiar os Estados Unidos, adora ser anti-americano, assim como muitos adoram defender o regime cubano como o paraí­so na terra. Mesmo com razões dí­spares para serem anti-americanos parece haver um sentido de união nestes grupos: seja o capitalismo, seja a guerra do Iraque, seja o presidente Bush ou Hollywood, muita gente acaba por concordar em detestar a América (os Estados Unidos, não a minha prima dos Açores). Os que não detestam abertamente manifestam um desinteresse público curioso: juram nunca visitar o país mas consomem os piores blockbusters do mercado e passam meses a contar aos amigos como o filme foi mau como se isso provasse por A + B que tinham toda a razão em desprezar os americanos.

Se tivesse regras na minha ética mutante uma delas seria a de evitar estes sentimentos generalizados e fortes. Não gosto de sentimentos fortes, fazem-me tremer as mãos; tenho sentimentos fortes o tempo todo mas nunca por boas razões. Ainda agora estou a sentir algo muito forte em relação ao meu portátil que está há três horas a apitar as fases da verificação do disco (ainda não consigo aceder a um único ficheiro, snif) mas por não gostar de sentimentos fortes decido fazer o que muitos portugueses fazem tão bem, esperar que passe.

Por que razão não nos incomodamos tanto com os britânicos, por exemplo? Entraram em força na guerra contra o Iraque e por pertencerem (lá à maneira deles) à União Europeia as decisões tomadas pelos seus maus governos ou governos mal informados afectam-nos mais directamente. No entanto nunca ouvi ninguém dizer “detesto o Reino Unido, nunca lá porei os pés!” Excepto a minha prima Francisca que namorou com um inglês.

Quer-me parecer que gostamos muito de acreditar em utopias, embora de formas diferentes. A ideia de que lá fora as coisas são melhores tem as suas raízes numa utopia também. Seguimos as eleições americanas com mais interesse do que as nossas – aqui podia muito bem cair na piada fácil – olhamos para o Barack Obama com um brilhozinho nos olhos e para as imagens do Bush a receber o Papa com azia.

No fundo, no fundo, mesmo os que insistem no anti-americanismo não conseguem resistir à ideia de um país tão novo ser tão energético, dinâmico e, temos de o admitir, tão capaz quando se decide a sê-lo. Podemos não querer que Portugal seja tão capitalista ou politicamente correcto mas mantemos uma esperança secreta de que um dia trabalhemos tanto como eles por um ordenado igualmente justo, que a nossa literatura seja apreciada como a deles, que a nossa ciência descubra tanto como a deles etc

Não sendo exclusivamente pró-americana incomoda-me o anti-americanismo pura e simplesmente porque não gosto de pôr tudo no mesmo saco, de misturar as coisas; não vou ver blockbusters cheios de explosões e de músculos oleados, leio muita literatura e oiço muita música norte-americana mas separo as coisas. O sistema educativo americano é muito mau para quem não tem dinheiro - ou são muito inteligentes e têm um bom professor que os descubra e ajude entre as suas centenas de alunos ou começam a trabalhar aos 16 anos -não posso chamar um país inteiro de burros conhecendo a realidade, seria como atirar pedras a um ceguinho. E já agora, repararam que os Estados Unidos são o país com mais prémios Nobel?

Um amigo disse-me uma vez que julgava os países pelo seu melhor e não pelo seu pior, uma regra rara em Portugal. Defendemo-nos dizendo que temos mais música do que o fado, mais coisas para além do futebol, mais escritores para além do Saramago no entanto não somos capazes de o fazer para outros países.

Será que preferimos a má língua acima de tudo?

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