domingo, janeiro 14, 2007

A eterna preguiça de mudar (deambulações de emigrante)

Assumo finalmente o meu papel de emigrante. Não faço a mínima quando serão as férias de regresso à terra, tenho saudades do frango dos restauradores, dos amigos (sim, vêm depois do frango), do calorzinho, de passeios à beira-mar, de perceber o que se passa e de não me preocupar com as diferenças culturais, afinal de contas, se, ou melhor, quando faço asneiras assumem imediatamente que é uma asneira portuguesa e que há choque de culturas enquanto que eu ainda estou a decidir se o meu interlocutor é burro ou se o meu francês está mais podre do que pensava.

Como boa emigrante que sou, gosto muito do meu país mas tenho dificuldade em percebê-lo. Quero intervir e no entanto quando vivia aí muitas vezes estive-me nas tintas. Porquê? Bem, porque já estava dentro do comboio... Estava minimamente bem informada - sempre muito mal se comparar com os meus tios - mas não estava a fazer qualquer diferença (talvez ao provocar discussões na faculdade?).

Após sete meses na Letónia, digo, no fim do mundo, percebi como é complicado querer integrar-se, quebrar o código linguístico e cultural, fazer amigos, sair da casca etc e ao mesmo tempo não querer ou poder cortar com a raiz, porque a raiz é parte integral do que somos ou do que julgamos ser. Pela primeira vez na vida era a única portuguesa. A única. Sou a única portuguesa que centenas de pessoas conheceram pessoalmente. As minhas acções e piadas eram automaticamente assumidas como portuguesas e para meu horror como típicas. Eu nunca fui típica em toda a minha vida. (começam a perceber porque bebi tanto quando lá estive?) O meu choque com o resultado das eleições presidenciais (choque, não surpresa) acelerou o processo de querer perceber, participar, mudar e reclamar.

Ando a esforçar-me por perceber a discussão (ou ausência dela) sobre o referendo do aborto, por decifrar a TLEBS, por compreender a política portuguesa para ao menos conseguir responder às perguntas dos meus colegas belgas ao mesmo tempo que tento perceber as minhas contas belgas, o que raio é que ando a descontar e o IRS belga, que estatuto tenho agora que estou registada (votar é obrigatório aqui e até agora não encontrei um consenso sobre quanto tempo depois de estar registada é que tenho de cumprir o meu dever), perceber os "wallons" e os flamengos e todas as pequenas idiossincrasias de que nunca me tinha apercebido até sair do meu país.

Isto tudo e mais alguma confusão à mistura para dizer que não é preciso ter medo das mudanças. As mais assustadoras costumam ser as melhores. O hábito de sentar-mo-nos à sombra da bananeira e reclamar em voz alta, especialmente durante o telejornal, é muito giro e pitoresco mas é desperdício de energia. Um dia acordam e estão velhos e confusos a bradar aos céus que no nosso tempo as coisas eram diferentes. Mas este é o nosso tempo, esta é a nossa vida. Está a passar muito depressa enquanto temos medo de ver o que há pela frente ou enquanto reclamamos com o estado das coisas. Estamos perdidos dentro de nós mesmos, sim. Mas porque "queremos". Claro que podemos reclamar, eu adoro mandar vir com o mundo contudo, nunca ninguém nos disse que ia ser fácil. Então aqui estou eu, uma eterna maricas a abraçar a mudança, dar o passo em frente, arriscar, pontapé no rabo e tudo isso - Olé! Gostava de poder votar no referendo porque aos poucos a coisa avança. Não, não perdi o meu cinismo e pessimismo, simplesmente uni-os a uma vontade de ferro de quem sobreviveu a micróbios comunistas e um hospital letão.

Após isto vou dormir porque ainda não recuperei da minha integração de sexta à noite. Acho que não vos contei que decidi experimentar todas, mas todas, as cervejas belgas. Não na mesma noite, claro, são cerca de 600, livra! A minha contagem vai em 12. É como vos digo, isto é aos poucos.

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